Um certo júbilo

6 de setembro de 2018by Ato Freudiano0
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          Um certo júbilo

                                                                                                        Clara Jaeger

 

Chegamos hoje, no percurso do Ato Freudiano, aos 25 anos de história. A primeira coisa que me veio à mente foi que estávamos vivendo o Jubileu da Escola, e então fui me debruçar sobre como seria essa espécie de contagem da passagem do tempo.  A respeito do Jubileu:

O jubileu é uma solenidade da Igreja Católica, hoje realizada a cada 25 anos. Por motivos especiais o papa pode comemorar jubileus extraordinários.

A origem do jubileu é bíblica, como é possível verificar em Levítico 25:1-17. O ano do júbilo se abre com o toque da trombeta, chamada em hebraico “jobel”, daí o nome jubileu.  Previa a prática da libertação do escravo e a devolução das propriedades. O ano do júbilo, onde não semearão. Será um ano sagrado e que comerão o que o campo produzir.”

Ainda:

“O tempo de Jubileu, seria um tempo de paz e reconciliação, um tempo de festa e perdão. Um tempo de Graça Divina. Um ano santo.”

“Jubileu é o quinquagésimo aniversário de casamento, do exercício de uma função (jubileu sacerdotal, jubileu de magistério etc.) de uma instituição, de um estabelecimento comercial ou industrial.”

“Jubileu é um aniversário solene, é também um grande espaço de tempo. Os jubileus mais comemorados são o jubileu de prata, referente aos 25 anos e o jubileu de ouro referente aos 50 anos.”

A partir do conceito de Jubileu, e para além dele, depreende-se então “júbilo”:

Alegria excessiva; grande sensação de felicidade: a igreja está em júbilo. Em que há grande satisfação ou contentamento; jubilação: estado de júbilo.”

Talvez algo desse substantivo possa se aplicar ao momento comemorativo que atravessamos este ano. Por isso um certo júbilo, tendo em vista que a satisfação está presente, porém desbastada pelo trabalho que enxuga o excesso, promove uma perda gozo e nos relança ao fazer Escola constantemente. Junto dos 25 anos do Ato Freudiano, estamos ainda no que seria o ano jubilar também da Proposição de 9 de Outubro, que fez 50 anos. Esta dupla comemoração se baseia na importância do que nos inspira enquanto baliza para o avanço e manutenção da psicanálise no mundo.

Um outro ponto que surge das correspondências de Jubileu é a ideia de colheita. Podemos pensar que de fato existe algo que se recolhe em uma data onde fazemos um intervalo para pensar no quanto pudemos caminhar até aqui. O próprio conceito de intervalo e a contagem do tempo nos é muito caro. Roberto Pompeu de Toledo  brinca em seu poema sobra a contabilização do ano, que

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.” 

Parece que esse corte em fatias nos proporciona um contorno possível do tempo. De fato a ideia de uma temporalidade  nos faz nos deter em recortes de história para que possamos revisitar e relançar questões pertinentes ao nosso trabalho. Aos 25 anos de trajetória, verificamos a importância deste espaço de Escola, cada vez mais, como espaço vivo de formação. Um lugar que permite que se sustente algo subversivo diante do que temos estruturalmente no mundo como as paixões do ser, possibilitando que algo de um frescor possa se colocar junto ao trabalho com os pares, a partir do laço social. Sem que se caia no acomodamento de “uma casa de repouso para aposentados”, como nos alerta Lacan, mas através do exercício de abertura e desalojamento permanentes. Que leva em consideração os tropeços e os embaraços, e insiste. Nesse sentido, temos muito o que comemorar, na ratificação de um desejo que persevera, que põe a trabalhar e que faz prevalecer a ética da psicanálise. Nesse ano no seminário a Política da Psicanálise, [que junto com as Práticas da Letra, e ainda, a Oficina de Cinema, nos parece ir na direção de um afinamento necessário ao avanço do nosso percurso] pudemos trabalhar recentemente a gênese do que veio a ser num outro tempo, a Escola. Quando Freud propõe de alguma maneira um coletivo de analistas que se arrisque a falar em nome próprio, apesar da aversão de sustentar a palavra no coletivo, ele inaugura a possibilidade desse espaço de formação. Poder estar aqui hoje, é algo que só foi possível por isso. Poder contar com um lugar que acolhe sem colo, sem cola, tem um calor que pinica, pois convoca a avançar. Avanço que é marcado por alguns passos. Como aponta Wânia Barbosa, “a marca do passo dado, pressupõe os anteriores e indica, possivelmente, os próximos”. Que possamos seguir então com menos ingenuidade, mais atentos ao funcionamento já que não há garantias com relação aos possíveis desvios, porém com um certo júbilo e algum entusiasmo. De acordo com Maria do Carmo Motta Salles, “desejo e entusiasmo não são, portanto, naturais, mas efeitos  de um reviramento na estrutura, que impõe um despertar e um recomeço a cada nova experiência clínica que, ao convocar o desejo do analita, rompe com a força do hábito. Assim, é possível algo rebrilhar enquanto causa, e fazer com que uma nova escrita do Real possa se constituir a partir da subversão do tempo empreendida pela experiência analítica, que força a estrutura a se localizar entre uma anterioridade que se apaga e um ‘ainda não’ que se coloca.”

Nos 25 anos então dessa Escola, que possamos dizer com coragem, e com  um certo júbilo, vivo o Ato Freudiano!


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