Homenagem a Paulo Becker

16 de março de 2018by Ato Freudiano0
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Homenagem realizada na “Abertura das Atividades do Ato Freudiano” em Março de 2018.


Homenagem a Paulo Becker

(por aqueles que tiveram a possibilidade e o

prazer de conhecê-lo e trabalhar com ele)

 

Paulo Becker esteve conosco desde o início de nossos trabalhos.

No final dos anos 80, antes do Ato Freudiano se tornar um grupo formalizado, fizemos um grupo de estudos com ele. Já nestes encontros ficava clara sua posição generosa frente ao saber — “é preciso espalhar a peste!” — ele brincava…

Ao final destes encontros, como resto deste tempo de trabalho, formou-se um cartel em Juiz de Fora, ligado à Letra Freudiana (Rio de Janeiro). E como produto deste cartel, fundou-se um espaço de trabalho em Juiz de Fora, para os analistas da cidade — Ato Freudiano, grupo de trabalho intercartéis de Juiz de Fora.

Este grupo caminhou até 2001, quando passou por uma crise. Era necessário que voltássemos às nossas bases, retomássemos nossa direção original. Neste momento, numa intervenção certeira, convidamos Paulo Becker para trabalhar conosco na interlocução.

Este trabalho teve a duração de 17 anos e foi interrompido pela sua morte, em janeiro. Portanto, a transmissão de Paulo se mistura à história do Ato Freudiano.

Temos muito a agradecer ao Paulo por este longo tempo de convivência e relembrar, mesmo que minimamente, sua grande generosidade determinada, fundamentalmente, por uma posição muito própria em relação ao saber e a política da transmissão da psicanálise. Sem caciquismo, sem pretensões de ingerência em nossa escola, fez um trabalho rigoroso de leitura, pautado na transferência ao texto e não à sua pessoa.

Não podemos terminar sem falar de seu bom humor — capítulo à parte — que nos rendeu muitas risadas!

Botafoguense, crítico atento, politicamente engajado e sintonizado com as artes e a cultura, dedicamos a ele nosso encontro de hoje.

                                            Eliane Ribeiro Guerra

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Homenagem a Paulo Becker

 

Primeiro sem palavras.

Silêncio que fala.

Depois, lembranças e sonhos.

Enfim uma nota, restos do trabalho de luto.

 

Ao desejar falar da ausência do Paulo Becker vejo-me envolvida com lembranças de falas e da escrita desse analista que transmite seu estilo com a causa do desejo.  Entre agradecida e privilegiada com o convívio, numa transferência de trabalho e de amizade, relembro sua posição ao supervisionar com sua escuta afinada, sustentada pelo desejo do analista. Sua práxis era viva, animada, precisa e divertida. De uma supervisão clínica retomo as frases que ressoaram para mim:

  • “Aceitar o sofrimento comum para perder o sofrimento.”
  • “Será que não é melhor alguma satisfação?”
  • “Não pode se consumir na divisão.”
  • “Chega de ovelha negra ou branca.”

Assim também era seu ensino e transmissão nos seminários realizados por vários anos em nossa Escola. Deixava restos que causavam o saber. O uso de trocadilhos não lhe era incomum, como também o dito espirituoso. Letrado, seguia como um homem de seu tempo. Era um Brasileiro antenado no mundo articulando história, economia, política e artes com o discurso analítico, ao lidar com os paradoxos e marcar a necessidade da diferença absoluta relacionada ao desejo. Traços que o tornavam simplesmente singular.

Na sua escrita não era diferente. No texto, “A ética de Freud”, ele nos orienta sobre a causa do desejo imperativa para o analista: “este deverá defendê-la, como dizia Freud, junto aos analisantes, na vida pessoal e, necessariamente defender a causa analítica no seio da cultura; deverá lutar pelo que a psicanálise possa estabelecer como laço social”. Em, talvez, seu último artigo “Políticas dos gozos”, apresentado na última jornada do ‘Ato Freudiano’, encontra-se sua defesa da Causa Psicanalítica diante dos discursos ideológicos reinantes:

  • O do capitalismo com a crença de toda potência e toda riqueza;
  • O das novas identidades sexuais na busca do corpo que lhe dará o mais-de-gozar;
  • O da lei sem o desejo, gozo que o saber jurídico propõe ou garante.

Encontra-se ainda, em “Políticas dos gozos”, extraído do seu livro “A economia do gozo”, o mandamento ético socialista, “a cada um segundo a sua possibilidade e sua necessidade”, onde diante do “desafio da práxis marxista para dar um lugar ao desejo inconsciente, no seio do modo de produção antitético que lhe é inerente”, Becker adenda “o desafio da práxis analítica que é o de introduzir o desejo como lei, no seio da pulsão que a determina”.

O que nos deixa Paulo Becker?

Uma grande falta, um convite ao trabalho e saudades.

Zulmira Buzan


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