Abertura do seminário Fundamentos de Topologia e Psicanálise
Abertura do seminário Fundamentos de Topologia e Psicanálise
Silvânia Marques Motta
Iniciamos o presente Seminário em 26 de março de 2024. Retomo os pontos principais que pudemos trabalhar naquela ocasião.
Começo me remetendo ao tema deste ano – Do Inconsciente ao Real. O dizer de Freud e o séc. XXI. – e também a dois recortes extraídos da abertura das atividades do Ato Freudiano:
“A estrutura é a linguagem”. Lacan, Televisão. 1974. Exibição de vídeo do Youtube.
“O dizer é da ordem da ex-sistência”. Texto apresentado por Orris Ricardo C. de Almeida.
Os textos escolhidos para serem trabalhados no seminário “Fundamentos de Topologia e Psicanálise” foram: Topologia: Seminário de 1991, de Carlos Ruiz e Eduardo Vidal, como texto de base, e A topologia de Jacques Lacan, de Jeanne Granon-Lafont, ao qual poderemos recorrer, em vários momentos, como apoio na leitura, por ser esclarecedor em questões atinentes às articulações entre psicanálise e topologia, e tendo vista que o seminário de Ruiz e Vidal se trata de uma transcrição.
Ambas as leituras caminham na via de abordarmos a topologia a partir da psicanálise, caminho esse que foi sublinhado por Granon-Lafont.
Logo na apresentação do Seminário de 1991 é trazido um aforismo muito importante: “Topologia é a estrutura”. Por isso, iniciamos com os recortes da Abertura deste ano e por isso trazemos a citação completa de Lacan, que está em O aturdito, de 1972:
A topologia não foi feita para nos guiar na estrutura. Ela é a estrutura – como retroação da ordem de cadeia em que consiste a linguagem. p.485. (Outros Escritos, 2003).
A estrutura exige uma topologia. Esta é uma tentativa de formalizar e não se ater à intuição ligada ao Imaginário.
“Ao tomar apoio no nó para que algo do impossível se demonstre…Tomo apoio… em uma topologia”. (Lacan, Los desengañados se engañan, 1974, p. 50).
A topologia ajuda a pensar, pois ela visa a representação simbólica e sair da debilidade.
Não existe uma clínica da topologia. O importante é o uso que se pode fazer da topologia, no a posteriori.
Parte-se da psicanálise, tomando a topologia como apoio à verificação, na experiência, dos conceitos psicanalíticos, difíceis de apreender, e com ela passa-se à escrita do que resta da prática analítica. O analista que teoriza os efeitos obtidos, lê e escreve.
Por ser homóloga à estrutura, como recurso para dar conta do significante, a topologia possibilita ao analista extrair um dizer? Ir do impossível de explicar, pois faltam palavras, até a demonstração, como no axioma formulado por Lacan: a topologia é a estrutura.
Voltando ao Seminário de 1991, de Ruiz e Vidal, é interessante pensarmos em uma Escola que surgiu de um trabalho de estudo da Topologia. E no lugar da Topologia em uma Escola de psicanálise e na formação do analista.
Quanto ao Ato Freudiano, considerou-se primeiramente um estudo da topologia a ser aqui realizado, em função de a topologia ser um auxílio em momentos cruciais do tratamento de questões institucionais, e em decorrência lógica da passagem a Escola de psicanálise. Esta passagem, ocorrida em 2010, veio do próprio conceito de turbilhão: um movimento em hélice, a partir de um buraco triplo, causando o desejo.
Com a proposição de um trabalho de cartéis em turbilhão foi possível verificar que já havia ali Escola. O tema “Cartel, Passe e Escola” foi previamente estipulado e comum a todos os cartéis, formados pelo sorteio dos participantes e dos mais-uns de cada cartel. Tais condições serviram à minimização dos efeitos imaginários.
O inconsciente se estende em torno do buraco da falha no saber relativa à castração na linguagem do $ sujeito barrado, o que rompe com o sujeito do conhecimento da filosofia, e o que faz com que o saber em psicanálise seja um saber que se inventa com o Inconsciente, invenção que, cotidiana em uma Escola, pode ser feita com o uso da topologia.
A topologia elabora um espaço que só parte do seguinte: da identificação de vizinhança, de proximidade, isto tem o mesmo sentido. É uma definição de perto, que parte de um axioma, de que tudo o que forma parte de um espaço topológico deve ser posto em uma vizinhança. A noção de pura vizinhança implica a triplicidade. (Lacan, Los desengañados se engañan, 1974, p. 51).
Ainda sobre o objeto a fundando uma Escola, isso nos remete tanto ao cartel (elemento de estrutura da Escola, baseando o trabalho nesse lugar), quanto à função de sustentação do discurso analítico – na articulação moebiana entre intensão e extensão e no contraponto aos outros discursos formalizados por Lacan.
No pano de fundo da experiência, está em jogo o Real do número que exige a escrita dos quatro discursos, uma amarração dos registros (dimensões da realidade do sujeito), forma dele se atar, e orienta a questão numérica necessária ao trabalho do cartel cuja estrutura Lacan aproximou da estrutura do nó, em RSI. Neste seminário, Lacan também disse que toda abordagem do Real é tecida pelo número – leva em conta o número.
A lógica e a topologia fazem escrituras. Lacan viu na interlocução com a matemática uma forma de aproximação entre a psicanálise e a ciência. Tanto para a manutenção da psicanálise na cultura como para esclarecer sobre o seu objeto. Diante do impossível de representar, a articulação com outros saberes tem por função fazer o objeto a entrar no pensamento.
Lacan utilizou a mesma concepção de estrutura de Lévi-Strauss, como o conjunto de relações e lugares. São fundamentos da topologia estrutural lacaniana a escrita do objeto a, o qual permite articulações de elementos do espaço topológico, sendo que a noção de espaço topológico equivale à de estrutura.
O nó borromeano é uma escritura que suporta o Real. Com o apoio da topologia, o analista poderá pensar algo disso a que o pensamento resiste, pelo enodamento do real impossível nessa triplicidade.
Com a ressalva que, conforme falado na Abertura das atividades do Ato, diferentemente da formalização matemática, a demonstração em psicanálise tem a ver com a invenção, que podemos definir como o que se faz com o saber que decanta da experiência.
No Sem 6, Lacan traz a carta 52 para falar da topologia do recalque, no desenvolvimento do Grafo do desejo, o 1º esquema topológico. Leitor de Freud, ele pôde colher em sua obra, na topologia do psiquismo da primeira tópica, trazida em “O inconsciente”, e na superfície chamada saco do corpo, de “O eu e o isso”, algo sobre o nó do Édipo, que o levou a conceber o nó borromeano, onde reuniu conceitos freudianos como inibição, sintoma, angústia e inconsciente, e juntou os seus, como RSI, gozo e objeto a. Serviu-se do dizer de Freud para poder avançar, formulando um dizer próprio.
O impensável nos coloca uma dificuldade, atribuída à topologia, e necessita uma forçagem. A proposta de abertura deste seminário é perseverarmos sobre o tema, iniciando das definições mais elementares de ponto, dimensão e superfície, passando às superfícies topológicas tais como a banda de Moebius, o toro e o cross cap, até o nó borromeano, abordando ainda noções como as de tempo e corte. As questões mais simples são muito bem-vindas, o que se afina à direção de pensar bestamente o “nó bobo”, assim chamado por Lacan.