Uma Escola fora do comum
Uma Escola fora do comum
Silvânia Marques Motta
O presente trabalho é efeito da leitura dos seguintes textos institucionais, a Ata de Fundação da Escola Freudiana de Paris e a Proposição de outubro de 1967, bem como da leitura da Terceira, coordenada pelo Orris, e dos textos do seminário “O inconsciente é a política”, coordenado pela Zú, que acontecem na quinta à noite.
Inicio com uma citação da Proposição de outubro de 67: “…Escola, ela não o é apenas no sentido de distribuir um ensinamento, mas de instaurar entre seus membros uma comunidade de experiência, cujo cerne é dado pela experiência dos praticantes” (1ª versão; p. 7).
O título deste trabalho traz o significante “fora”, pensado em referência ao lugar da Escola de psicanálise em relação ao mal-estar na civilização e também à especificidade do saber aí produzido.
O discurso analítico é o único que permite sustentar uma pergunta frente a esse mal-estar, ao fazer um contraponto aos discursos capitalista e da ciência. Tal refúgio é propiciado pela possibilidade de questionamento, de manter aberto o lugar da hiância, em resistência às tentativas de tentar recobri-la com os objetos comuns – leia-se imaginários e condensadores de gozo – oferecidos pelo mercado e viabilizados pela ciência, na contemporaneidade. Contudo, refúgio não implica em um abrigo, como numa “casa de repouso para veteranos”, mas no que Lacan indicou ser uma “base de operação contra o mal-estar”, num diferente estilo de vida, a partir de uma modalidade inédita de funcionamento.
(Por “objeto comum” entenda-se aquele não próprio do desejo. E se é de gozo, pode ser qualquer um, e tomado em substituição infinita. A felicidade não é permanente, é preciso perder o gozo para aceder a ele de um outro jeito, no seu valor de uso, posto que efêmero.)
O saber psicanalítico é um saber que se faz com o próprio inconsciente, que está na outra via que não a da acumulação de conhecimento. O significante “fora” remete ao Real como pano de fundo nessa produção. A Escola fundada por Laca se distingue das Sociedades da época como uma comunidade de experiência que leva em conta o Real na formação.
Segundo Moustapha Safouan, Lacan tem razão quando dá a entender nos seus Escritos que “um ensino que responde à demanda de aprender, no sentido de aprender conhecimentos comuns, é um ensino que engana a ignorância, em vez de dela se servir” (Jacques Lacan e a questão da formação dos analistas; p. 43).
O ensino que a Escola visa é aquele que advenha na junção da psicanálise com os saberes afins e que possa passar alguns significantes cuja escuta cause efeitos de trabalho, fundando, assim, a possibilidade de transmissão.
A entrada na Escola constitui um endereçamento à psicanálise, é dirigir-se a um laço de trabalho comum, seja enquanto responsável pelo avanço da Escola, seja pela posição que nela se ocupa (o que se refere às categorias de nominação de membro e de participante da Escola, conforme a Ata de 2010, do Ato Freudiano).
Estar na Escola não significa estar em formação. Na Proposição, há também uma passagem importante, na qual fica estabelecido que a Escola garante a relação do analista com a formação, e não que a formação mesma esteja garantida.
Ao basear sua formação no Cartel, dispositivo de transmissão sustentado na transferência de trabalho, e ao eleger o gradus como princípio de funcionamento, a Escola considera que o que está em questão na formação é o desejo do analista. (O gradus é à medida dos passos dados pelo analista, que deu suas provas na extensão. Subverte o desejo de reconhecimento em reconhecimento de desejo).
Que cada um tomará a Escola na medida do seu desejo, é o que atesta a formulação de que não há relação sexual. Desejo esse que será posto à prova, para que o Real não conduza ao seu próprio desconhecimento, mas possa haver uma chance à articulação da falha no saber, desde a causa do desejo – objeto ª
Na Terceira, Lacan diz que “…é somente pela psicanálise, é nisso que esse objeto constitui o cerne elaborável do gozo, mas ele só se sustenta da existência do nó” (p.8).
A exposição e crítica do trabalho e a função mais-um no Cartel constituem provas ao desejo na extensão. Referem-se ao corte, que permite a exclusão no sentido e coloca em campo a ex-sistência, condição de nodulação e seus efeitos de enxugamento. As provas ao desejo promovem um descompletamento imaginário e colocam em perspectiva o Sujeito diante do engano, e a ele só resta simbolizar algo diante da falta. Não nos esqueçamos de algo que Lacan formulou na fundação da Escola, sobre o ponto em que o problema do desejo não pode ser escamoteado, que é quando se trata do próprio psicanalista (Preâmbulo da Ata de Fundação da E.F.P).