O mal-estar nas eleições de 2018
O mal-estar nas eleições de 2018
Ato Freudiano – Escola de Psicanálise de Juiz de Fora
Estamos acompanhando, passo a passo, e vendo hoje estarrecidos e horrorizados, a situação do nosso país. E, curiosamente, observamos que quanto mais complexos se tornam os dilemas da sociedade, mais há e haverá quem queira respostas fáceis. Se vivemos hoje um instante limite da civilidade em que a polarização atingiu o grau máximo da obscenidade, é também o momento de fazermos uma interrogação: o que fizemos para chegar a este ponto? Pergunta necessária nesses tempos tão sombrios. É nessa direção que podemos nos deter um pouco no legado de Freud porque se esta pergunta permite que um sujeito possa encontrar uma possibilidade inédita para a sua vida que não estava dada no ponto de partida, é a mesma pergunta que pode orientar alguma saída para os rumos da civilização.
Freud apresenta a psicanálise como uma prática de leitura e escrita cujo eixo é a conjunção entre curar e pesquisar. Nesse caminho impasses e dificuldades emergem criando resistências à investigação, que não se sustenta em respostas imediatistas e simplistas. Assim, cabe ao trabalho analítico se manter em uma dimensão ética, em que o objetivo de saber visa menos lutar contra as resistências do que desconcertá-las. A luta atinge um tom bélico e exacerba o ódio, impedindo qualquer possibilidade de retificação. Trabalho árduo que exige um tempo de elaboração. Qualquer saída por atalhos terá um retorno de escapes por dimensões cada vez mais extremadas.
Se vemos hoje a construção da democracia no Brasil ser atravessada por fenômenos de massa ensurdecedores, tal como Freud apontou na Psicologia das massas, torna-se prudente retirar o véu do senso comum e abrir alguma via que permita o surgimento de algo novo que recoloque alguma possibilidade nos laços sociais. O que nos distingue como seres falantes é o uso da palavra e da possibilidade de uma prática, que para além da falação e do ódio exacerbado, permita que acordos e pactos sejam estabelecidos, apesar das diferenças.
Sabemos que a democracia está sempre febril quando ela está viva porque implica em uma aceitação da divisão da verdade e em um confronto constante com o fator mais difícil e penoso do mal-estar: o relacionamento com os outros. E, se há a voracidade de uma força pulsional, fora da apreensão, cabe a civilização criar semblantes simbólicos que contenham sua força e abra a chance de uma conversa que possa indicar novos caminhos.
Diante dessa fratura social que se impõe “goela abaixo” de milhões de brasileiros e, dos poucos deslocamentos que ainda poderão advir neste momento, o que já é muito, cabe-nos sustentar uma pergunta – o que fizemos para chegar a este ponto? – para tentarmos, a partir deste ponto limite e traumático, reconstituir os restos de um Brasil, náufrago, mas que ainda pode navegar em ondas menos violentas. Talvez caiba nesse momento retomar o que Lacan nos diz em seu texto sobre a agressividade, em 1948: “Nossa tarefa cotidiana consiste em reabrir o caminho de seu sentido, numa fraternidade discreta em relação à qual sempre somos por demais desiguais.” Como consta na carta aberta do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras: “Com a democracia, teremos chances de reparar os erros que hoje nos trouxeram essa polaridade política que cega os olhos, ensurdece os ouvidos e promete a extinção do paladar que permitiria trazer dignidade para um cidadão.” E, para terminar, é importante apelarmos para a decisão de cada um, ou seja, para o juízo mais íntimo que, em silêncio e em profunda reflexão, saberá distinguir, digamos, a ameaça maior à convivência civilizada.